segunda-feira, 3 de julho de 2017

QUANDO O PODER É DADO A ELITE

Sobre os interesses e o capital hegemônico

Ednaldo de Oliveira Santos[1]

            É quase impossível pensar um Brasil homogêneo. Nem seria interessante tê-lo, talvez. Mas, é incisiva a tentativa de separação de uns dos outros, ou melhor dizendo, uns contra os outros. Não diferente, o país do “novo” mundo precisou estabelecer mecanismos que visassem uma classe contra a outra para alcançar as conquistas necessárias para ser um país de “primeiro” mundo. Os detentores do poder econômico parecem persistir ainda hoje na estratégia que deu certo ontem e continua rendendo lucros hoje. Quais os mecanismos que estão escondidos nas certezas nossas de cada dia, de que existe uma classe melhor e superior que a outra (e que essa só pode ser a minha), mesmo depois da experiência sub-humana da segunda guerra mundial? Por quais motivos a racionalidade parece se retirar cada vez mais dos espaços gourmet onde tentamos, com todas as forças e xingamentos que a nossa língua permite, convencer os presentes de que o que trago é a única verdade e saída possível? Precisamos mesmo continuar a saga interminável que exclui o que difere de mim e dos meus?
A história do Brasil é marcada por inúmeros movimentos e protestos. A rua, palco de infinitas manifestações, acolhe grupos de uma mesma nação, lutando por objetivos diferentes e esquecendo que são gente, humanos, senhores da linguagem.  O processo de redemocratização no Brasil foi marcado por pancadarias. Não muito longe do que se assiste hoje, os “conservadores” do país se uniram para defender a Ditatura Militar que começava a declinar com a lei 6.683 da Anistia, de agosto de 1985. Os que eram a favor dos militares no poder começam a ir às ruas defender a continuidade do governo da ordem e dos bons costumes, para não dizer “Governo das Armas”. As ruas, que pertenciam aos que lutaram contra a opressão e a favor do retorno da democracia, agora era ocupada pelos que incisivamente não queriam que os militares deixassem o Planalto. Ora, a quem interessava que os homens de farda permanecessem na vida palaciana da capital federal?
A história foi sempre neste sentido: uns contra os outros, melhores contra os piores. A reflexão não alcança o ponto que deveria. A quem interessa isto? A quem interessa que não nos unamos e nos debatamos? Quais os interesses por trás da continuidade da polarização direita e esquerda? A reflexão se existe direita e esquerda no país é bem mais ampla. O que parece estar em jogo mesmo são os esquemas de dominação de uma elite sobre uma extensa maioria chamada minoria. Quando o lugar de poder é concedido, democraticamente falando, à elite, existe algo de errado. É como, quando no Brasil colonial os próprios negros, chamados de capitão do mato, entregavam seus companheiros em vista de um mínimo prestígio social. É um fenômeno interessante: é como entregar o queijo cortado em fatias ao rato faminto. Em nenhuma outra sociedade na história, a elite ajudou a classe proletária.
No Governo Federal, a crise política se agrava ainda mais depois das últimas delações envolvendo o chefe do executivo, Michel Temer. Ora, de onde saiu a ideia de que alguém que sempre esteve ao lado dos Bancos e do Comércio, ao chegar ao poder, não favoreceria estas camadas sociais? Onde está enraizada a ingenuidade dos que acreditam piamente que o atual Presidente da República está preocupado com o futuro da Previdência, quando este mesmo se aposentou antes dos 60 e traz propostas escravizadoras, sem tocar no futuro da aposentadoria dos que o ajudarão a aprovar tais reformas? O que esperar de um país formado por uma classe trabalhadora que silencia diante de uma das reformas mais escandalosas, traindo as conquistas dos últimos anos? Ou ainda, onde está a memória do povo, ao engavetar os longos anos de repressão que foram precisos para se chegar ao direito de trabalhar? Isto mesmo, lutamos pelo direito de trabalhar para os outros. Como aceitar que o chefe do executivo, supostamente envolvido em vários esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro, destruição de provas, e tudo o que ainda não se sabe, nomeei ministros com o intuito de livrar a própria cabeça da forca que se aproxima? Como assistir calados aos inúmeros banquetes para conseguir votos para os projetos apresentados nas duas Casas?
A diferença do momento em que vivemos hoje com a época do impeachment de Dilma Rousseff é a inexpressiva presença do povo na rua. Depois da ridícula presença do Presidente Temer na Europa, quando foi escrachado em coletiva de impressa pela primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, o chefe do executivo brasileiro declara, horas antes de ser denunciado oficialmente pela PGR: “Nada nos destruirá, nem a mim nem aos nossos ministros.” Sem a presença do povo nas ruas, todas as decisões são tomadas pela Câmara dos Deputados, com todo o seu arcabouço moral invejável (risos). Repito o que tenho dito, quanto menos nos inteiramos dos interesses públicos com o discurso de que estamos cansados da política, mais os interesses pessoais desses que escolhemos são sobrepostos sobre os da República. Seja quem for o ocupante do terceiro andar do Palácio do Planalto, é papel dos brasileiros acompanhar, investigar e cobrar. Ingenuidade é achar que tudo isso não muda nada em nossa vida.
 Quando prédios são demolidos com pessoas dentro, na maior capital do país, e o que se escuta no ponto de ônibus é algo do tipo: “É uma pena não ter matado nenhum daqueles drogados”, a conclusão não pode ser outra: estamos doentes. Quando a mulher que é estuprada é condenada e culpada nas redes sociais por estar vestindo uma saia curta ou caminhar “onde não deveria” em determinado horário, estamos atestando o pacto social de demência geral, e isto é extremamente grave. Requer cuidados generalizados. Quando o discurso de ódio ocupa as Redes, as praças, o transporte público, a Academia (que deveria ser por natureza, espaço de reflexão), a razão, sai de cena, não havendo mais possibilidade alguma de diálogo e debate, argumentação e construção coletiva. Quando o espaço de poder é concedido às elites, os pobres, negros, mulheres, LGBT+ e todos os outros que não se encaixam no patamar ditado pelo Capital são invisíveis, não existem. A indiferença é tamanha que a eles não é concedido ao menos o direito de serem contados entre os excluídos, estes simplesmente não existem. O excluído não existe. Não pode existir. É preferível matar.
O capitalismo deu certo. Essa conclusão parece ser uma afronta aos infinitos exemplos que temos para apresentar um país imerso no consumismo escancarado. Mas, a lição é esta mesmo: deu certo. Ora, hoje, corrijam-me se erro, não estamos na maioria das vezes tentando tirar proveito de tudo o que nos acontece, seja no espaço de trabalho que temos, nas relações que estabelecemos, ou na Igreja (Só a minha salva!) que frequentamos para aliviar um pouco a culpa infinita que carregamos? Quando com convicção ferrenha eu penso estar fazendo justiça ao concordar que alguém que foi pego em fraga ao roubar; quando a testa de um adolescente é tatuada com seu “delito” e eu vibro por dentro, esquecendo o sinal de TV por assinatura que roubo... deu certo, ou não?
O único objetivo do capitalismo é acumulação. Com as manobras desastrosas da especulação financeira, rico continuará sendo rico, e pobre, detentor de sua única posse: o trabalho. Quando a simples especulação ocupa o espaço da ciência econômica, a preocupação com o ser humano é substituída pelo lucro. As consequências são graves. A luxo é mascarado de qualidade de vida e sobrepõe a dignidade humana, de alguns. Esta é a lógica da especulação financeira. Sem este movimento que mantém ricos X pobres, o capital hegemônico sobreviveria? A lógica do capital hegemônico nunca será mudada enquanto os valores das cifras forem superiores aos éticos. O capital moderno deu ao homem a capacidade de poder ter. Não interessa se o indivíduo está ou não endividado, o importante é que ele pense que pode algo. De preferência, que isto o diferenciei dos outros, colocando-o num patamar elevado. Esta segregação parece ser a alma do negócio.
O poder é em si mesmo corruptor, embora suas raízes sejam rasas. A questão é quando o povo tem, com o direito conquistado, o dever de escolher a quem conceder e o entrega justamente aos seus usurpadores. O fenômeno silenciador da nação brasileira diante dos fatos da classe escolhida para governar o país é algo esquisito. Quando por direito constitucional a fiscalização desses escolhidos é do povo e este abre mão desta tarefa, os interesses particulares ocupam espaço naquilo que é público. Ricos ou pobres podem ser corrompidos no sistema político. O que cheira mal é o escravo entregando novamente o chicote nas mãos do Senhor da Casa Grande, e silenciosamente retornando aos troncos manchados e marcados da história.







[1] Licenciado em Filosofia pelo CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO (UNISAL) | Especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA (FAJE) | Pós-Graduando em Gestão Educacional pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ (UNIFEI).
E-mail: olinaldoveira@gmail.com .