quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Esperar pela espera que sempre aguarda


A espera é uma das ações mais antigas da história da humanidade. Consciente ou inconscientemente todos já esperaram. Esperar passa pelos estágios mais diversos, desde o esperar alguém (com toda ansiedade que isso traz) ao esperar o andar lento, e por hora improdutivo, em uma fila, por qualquer que seja a necessidade. Pode-se também viver esse processo de espera por consequência de uma promessa feita, ou ainda por um pedido enviado. E como se esquecer da espera que é experimentada pela mãe que, profundamente imersa no contato consigo mesma, ela acaricia a barriga num gesto antecipador do que depois fará em seu bebe carregando-o em seus braços.
Porém, essa mãe contempla uma das formas mais bonitas daquilo que chamamos espera; nela encontramos o exemplo “perfeito” porque, podendo, não antecipa aquilo que já lhe foi dado, aquilo que já é seu por direito, mas pacientemente permanece fiel, pois confia na promessa que lhe foi feita. Quando algo nos pertence, nada faz com que nossos olhos não contemplem ou nossas mãos não toquem. O que é nosso, cedo ou tarde chega até nós.
Quem espera nunca é iludido. A consciência ou confirmação de que todos já esperaram não traz a certeza de que continuarão esperando. A espera é uma escolha. Não se pode pensar escolhas desvinculadas das consequências que elas trarão. Quando isso acontece, o fracasso é logo esperado com tonalidade de certeza. Diante de qualquer situação, todo ser humano precisa estar desvinculado de qualquer situação que o torne refém ou devedor, desprendido de qualquer condição que o force ou interfira em sua ação/escolha. Para que a escolha seja feita bem feita, é preciso que se tenha um panorama geral, afinal; escolher é pegar isso e largar aquilo. Não existe meio termo neste contexto. Nunca se escolhe tudo, somente o Tudo.
As escolhas vão expressando a personalidade do ser humano. A pessoa é aquilo que escolhe. Tanto aquilo que escolher ser, quanto aquilo que escolher ter. Aquilo que está no ambiente em que estou inserido vai influenciar, vai expressar os valores pelos quais eu fundamento e vivo minha existência. Sem nenhuma pretensão de redundância no termo.  Escolher é sempre um processo doloroso nesse sentido, pois passa pelo limiar de renunciar isso e ficar com aquilo, de ser esse e não isso, de ser assim e não daquele outro modo ditado, dito, pedido. Mas, quem escolhe, pressupõe-se que se tenha visão geral, experiência de um conjunto de possibilidades e que neste meio, conscientemente eu declaro querer algo deste todo. Exercer uma escolha é para os corajosos, nem todos tem coragem de escolher porque a escolha pressupõe responsabilidade nas consequências que estas trarão e na maioria das vezes nós queremos que outros escolham em nosso lugar e assuma tais responsabilidades. É sempre mais confortável estar, ou querer permanecer debaixo de algum ditador, ou como chamamos para melhor nos satisfazer, um bem feitor. Esperar é escolher.
Partindo do pressuposto de que esperar é escolher e que ninguém pode ser enganado se viver de esperas, é preciso voltar para aquilo que fundamenta a nossa espera. Quando dizemos que ninguém pode ser enganado se vive a espera, entende-se que essa espera seja fundamentada em algo que tenha sentido. Ninguém consegue permanecer a vida inteira numa ilusão. Nós sempre sabemos identificar aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso, aquilo que vale a pena e aquilo que não chegará ou nos levará a lugar algum, aquilo que é ilusão e aquilo que movimenta toda nossa vida.  Todavia, sempre permanecemos, ousamos permanecer na superfície das coisas. Com isso, nem esperamos nem escolhemos. Não nos iludamos em esperar daquilo que nós já sabemos que não sairá nada. Não nos desesperemos com as realidades que nos chegam. Sejamos corajosos e enfrentemos as frustrações que as nossas vontades nos forçam e nós não temos coragem de ir contra nós mesmos.
Esperar é ser criativo, é criar tudo, menos expectativa. A expectativa muito se assemelha a ilusão. A expectativa é enganadora, mesmo quando eu percebo que as coisas não darão certo, mesmo quando eu sei que a pessoa não é capaz, nem precisa cumprir aquilo que eu exijo, eu continuo criando expectativas. Esperar é saber que aquilo que há de vir pode não vir do jeito que eu quero, do jeito que eu penso, do modo que eu gostaria. Quando eu crio expectativas eu quero que as coisas sejam exatamente como quero, se não eu me frustro e não quero mais esperar, nem por nada nem por ninguém. O que eu preciso criar então? A criatividade está para o ser humano como um rito de passagem. Quando criamos alguma coisa, isso é sempre expressão daquilo que acreditamos, quem queremos expressar mas que nem sempre tem nome, por isso criamos, ou inventamos. Criar é sempre iniciar um processo de expressão. Esperar é sempre um processo de fidelidade àquilo que acreditamos que virá, e acreditamos porque sentimos.
Aquele que consegue chegar à maturidade da espera consegue entender a razão de estar esperando. Neste momento o que eu realmente espero é que você consiga fazer o que eu, pessoalmente considero a ação fundamental que todo ser humano precisaria aprender a fazer: esperar por si mesmo. Que você consiga esperar por você mesmo.

Eu espero que você não fuja de você;
Eu espero que você não se envergonhe daquilo que você é, se tornou ou está se tornando;
Eu espero que você consiga encontrar o ritmo que bate a corda do seu coração e acompanhe os seus sonhos esquecidos;
Eu espero que você lembre os sonhos que você nem lembra mais, aqueles que você acabou deixando pelo caminho pelas descrenças que te deram e você acreditou;
Eu espero que você não tenha medo de falar sobre você mesmo;
Eu espero que você não tenha medo de mostrar aos outros que você não está pronto e que continua procurando e se encontrando, vagarosamente;
Eu espero que você se encontre, da mesma forma que eu espero me encontrar;
Eu espero, um dia, te encontrar...

Ednaldo Oliveira, SDB
Lorena/SP, 17 de outubro de 2013.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Medo, insegurança, Fé, fidelidade e convicção

     Quando todas as portas haviam se fechado para o plano de Deus, quando tudo parecia não ir de encontro aquilo que Ele havia previsto aos seus, quando todas as coisas concorriam para que Ele não mais nos colocasse em seus planos, Deus nos surpreende. E onde então Deus fracassou durante toda a história? Se levarmos em consideração, no antigo testamento a história dos reis escolhidos por Ele para Israel, constataremos que aqueles que foram escolhidos, em nada foram fiéis ao que lhes foi confiado. Sendo Deus Onipotente sabia que eles não seriam fiéis, não seriam capazes. Ao todo foram vinte e quatro reis, somente dois (Davi e Salomão) foram dignos do título da fidelidade a Deus. Desses dois, em um somente é possível enxergar tal fidelidade, o outro nem tanto. Esses que foram fieis a Deus (1 Reis 2, 3) e governaram com sabedoria e justiça servindo ao povo (1Reis  12, 7) que pertencia unicamente a Deus (1Reis 3, 8-9).      
É neste mesmo livro dos Reis que dar-se continuidade a história da sucessão, interrompida em 2 Sm 20, 22 com a velhice de Davi. Mesmo sabendo da infidelidade presente em cada um deles, Deus mesmo se faz fidelidade, Deus mesmo é fiel e os confia a condução do seu povo. Este é o fracasso de Deus, um Deus que por hora seria O Onipotente, se curva diante das infidelidades dos seus e quer continuar com eles. O fracasso de Deus é o fracasso de amor pelos seus. Ele é extremamente apaixonado pelos seus. É o fracasso de qualquer ideia de poder, é o fracasso de qualquer princípio de tirania ou ditadura que por hora pudesse surgir, tudo é substituído pelo Amor. Deus quer ser pequeno, Deus quer precisar dos homens.
Ao longo da história da salvação Deus quis sempre precisar dos homens em seu projeto. As mulheres entram em cena logo no primeiro livro. Eva se torna símbolo do pecado, da desobediência e da ambição. Depois dela, Sara. Uma mulher de personalidade vigorosa, longe de ser um mero objeto, sem capacidade de raciocínio ou vontade própria. Pelo contrário, podemos deduzir pelos relatos, que foi uma mulher hábil e decidida. Débora já ocupa um lugar de destaque nas Escrituras. Foi uma profetisa, casada e juíza em Israel (Jz 4, 4-10).
Chegamos á Virgem Maria, a crente! Logo que Maria aparece nas Escrituras já nos causa uma inquietude muito grande. E se aquela virgem não aceitasse o pedido? E se ela se deixasse vencer pelo medo de ser apedrejada? E se dissesse não ao anjo? A jovem de Nazaré é diferente das outras personalidades que aparecem nas Escrituras, ela traz consigo um dado novo, um dado que muda toda a história, a fidelidade (Jo 1, 26-28). Desta fidelidade não se tem dúvida. Não se tem dúvida dos riscos que corria aquela menina ao engravidar na região da Judeia, não se tem dúvida de sua entrega e de seu desprendimento.
Diferentemente das outras mulheres, Maria permanece fiel, mesmo desconhecendo, mesmo não entendendo, mesmo não enxergando por hora o que seria de sua vida, de seus projetos, de seu casamento prometido. A mãe Deus passa pela solidão do medo, mas não da incerteza. Desde o início ela sabia para onde estava indo, pois sabia Quem a estava conduzindo. O silêncio que tão facilmente percebemos nela pode ser traduzido neste medo, nesta angústia do que poderia acontecer com ela. Mas, segue silenciosa, como que com os olhos vendados. É o auge da fidelidade! É o topo da entrega, é o ponto mais alto de toda a história da salvação, é a criatura que mais se abandonou nas mãos do Altíssimo. É Deus sendo gerando em ventre humano. É a encarnação acontecendo.
Atravessando todas as possíveis profecias de dor e sofrimento (Lc 2, 36), a Virgem aparece ao lado da cruz de pé (Jo 19, 25). Não de qualquer forma, não desesperada, não aos gritos ou lamentando. Talvez por dentro estivesse fazendo tudo aquilo, estaria passando por todas aquelas perguntas e desmoronando interiormente. Aqui é interessante observar a luta interior desta mulher. Uma vida inteira de questionamentos, perguntas, mas de certezas Naquele que a havia escolhido, de alegria pela escolha de Deus em sua história (Lc 1, 46).
            Como nos falta este silêncio! Como nos falta esta confiança inabalável naquilo que Deus tem para nós, naquilo que poderia tornar-se uma grande obra, assim como na vida dessa Virgem. O desespero chega logo e bate a nossa porta, nos visita e toma o lugar de Deus, nós nos entregamos facilmente ao medo e não conseguimos chegar até Deus. Em Maria se vê a realização dos desejos de Deus, dela vem Jesus, o Cristo esperado de todos os tempos. Soube ela “desaparecer” em sua contemplação e dar lugar ao menino que crescia e se desenvolvia (Lc 2, 52). Fora ela a primeira a adorar o menino Deus, ensinar-lhes os primeiros passos e conduzir seus primeiros destinos, Aquele que era já ali naquele engatinhar, e é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6).
            Que Maria não nos seja distante. Que ela seja sempre aquela que caminha conosco. Oxalá eu pudesse um dia encontra-me com esta mãe... lhe segredaria tanta coisa, lhe perguntaria tanta coisa, sentado ao seu colo, lhe confidenciaria os grandes medos de minha vida e diria ali pertinho o quanto lhe admiro tanto por sua coragem, convicção e fidelidade. Que nos venha o silêncio de Maria, que nos venha sua capacidade de calar-se e confiar, que nos venha sua determinação no abandono, que nos venha sua capacidade de, mesmo diante do medo e da insegurança, chegue até nós a certeza de que é Deus mesmo que nos quer junto, é Deus mesmo quem nos coloca no patamar de escolhidos, mesmo sem que nós mereçamos. Deus não trabalha com merecimentos, Deus trabalha com dignidade humana, presente em todos os que Ele criou.
“Nos momentos mais difíceis, quando nada mais nos parece ser favorável, quando até mesmo o Pai parece nos estar castigando/educando, recorramos á Maria, peçamos-lhe o colo: ‘mãezinha, ponha-me ai do lado deste menino que tão carinhosamente balanças’...”.
            A Virgem que acreditou desde o anúncio do anjo, mudando a história da participação humana no projeto divino, segue o caminho da fidelidade. Agora no auxilio aos filhos, na condução ao Pai.

Ednaldo Oliveira, SDB


Lorena/SP, 24 de maio de 2013. 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Senhores de um tempo que não passa nem nos tem



Por inúmeras vezes fomos levados a pensar que a temporalidade das coisas e fatos é o que nos faz seres mortais. Sempre escutamos isso. E assim vamos vivendo temendo a morte e observando as coisas que, vagarosamente vão se desfazendo, sumindo, morrendo. Parece ser frustrante, e na verdade o é. Saber que morreremos não é nada motivador, é esquisito e nos deixa limitados a um ato respirador. O temor á Deus parece nos colocar mais próximos de um patamar de existência mais duradoura por estar a serviço do Ato Criador. A expressão pode ser forte, mas isso não passa de mera bobagem. Somos seres infinitos, assim nos fez o Criador. Somos seres inacabados, não incompletos, mas em contínua trajetória de construção e constituição, aprendizado e evolução. Somos um grande projeto que deu certo e continua seu preito de execução.
Custa muito ao ser humano todas estas expressões. Para nós, entender que nada nos destruirá parece fútil quando nos deparamos com algumas situações deploráveis que a vida ousa nos apresentar; mais ainda, quando as desgraças e as fatalidades fazem de alguns dos nossos, reféns de sua “estúpida” lista. Ao longo da caminhada da vida somos obrigados a irmos nos despedindo de pessoas que amamos e querereríamos permanecer com elas por todo o sempre, por toda a nossa trajetória. Talvez se a nossa partida fosse feita ao lado delas, a dor não seria tanta por se tratar de uma nova experiência vivida juntos na qual não nos sentiríamos sozinhos. Mas, por mais que amemos o outro, a ideia da morte nos faz, na maioria das vezes, repensar se queremos mesmo ir embora.
É complexo. Assim como não fomos preparados para a morte, da mesma forma não fomos preparados para a ideia de existência plena, de continuidade, de eternidade. O pensamento cristão inculcou na humanidade uma nova forma de tratar a morte trazendo á tona o que os antigos já rabiscavam em pensamento, mas não arriscavam em afirmar, a ideia de eternos seres. Pode então nos ajudar a leitura de Eclesiastes ao tratar da temporalidade de Deus: “Compreendi que tudo o que Deus faz é para sempre...” (Eclesiastes 3, 14). É simplesmente fantástico observar o tempo verbal. Não é que Deus FEZ que é eterno, mas o que Ele FAZ. A obra da criação é obra continuada, é obra em andamento, é obra em evolução, é obra em movimento, é obra infinita, é Deus. Sendo Deus é eterno. Tendo sido o ser humano criado por Deus (Gênesis 1, 27) é obra pura de suas mãos, é obra idêntica de seu Autor, é orgulho de seu Pensador e Arquiteto. Isto confirma mais uma vez a nossa natureza eterna, agora com mais um elemento, o de sermos seres divinos. Somos senhores do tempo, nós o temos.
A temporalidade na qual estamos inseridos vai fazendo de nós seres medrosos e quase sem iniciativa nenhuma de consistência e persistência. Somos levados a abordar a temporalidade de uma forma talvez mais angustiante e sem noção nenhuma de esperança. Temporalidade é diferente de provisório. Aquilo que é provisório é passageiro, é infértil, não tem consistência ou compromisso com o ser. A temporalidade nos faz entrar na dinâmica de uma vida focada no tempo de Deus, o Kairós. Atribuí-se a este, adjetivos como graça, esperança, benção. É o tempo com o Autor de Tudo, um tempo que não passa, não pode ser descrito ou entendido dentro de nossas capacidades e entendimento humano.
Como seríamos nós se a Mão Criadora não continuasse sua obra em nosso viver? Pode uma coisa criada por Aquele que não teme a morte, e até passou por ela, se desfalecer e morrer? Se isso acontecesse, não estaria sendo um fracasso á obra de Deus? Pois bem. Aqui deste lado entendemos que a obra de Deus é inacabada, é eterna. A Mão Criadora continua sobre nós, continua “influenciando em nós”, continua conosco em todos os lugares. É possível senti-la. É perceptível seu movimento em nossas escolhas e em nosso cotidiano. Para onde ir então se não ao encontro desta palma? Onde repousar se não neste Eterno Movimento que vagarosamente nos acalenta e espera ansiosamente por cada uma de suas criaturas. Retornemos, pois á Ele. Vamos! Vamos para casa.

Ednaldo Oliveira, SDB
Lorena/SP, 11 de fevereiro de 2013. 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Na espera de um novo olhar




            Pronto! Terminamos mais um ciclo natural e iniciamos outro que nos rouba os primeiros dias e nos joga ao sentimento sempre presente de que tudo podemos e que desta vez conseguiremos. Quando concluímos mais uma etapa da vida a primeira sensação que nos vem em mente é o agradecimento, sentimento que deveria estar presente em todos os momentos, mas, ousa fugir quando algo dá errado. Neste meio termo dentre finalzinho e começo eu revejo algumas ações. Oxalá se nos propuséssemos constantemente a este relatório necessário na correria dos nossos dias normais. Quantas coisas boas acontecem e nos passam despercebidas. Tantas outras coisas que tenderiam a ser nossas se não fossem o nosso medo ou orgulho.
Entretanto, existem coisas que eu não me arrependo. Eu não me arrependo de ter passado por algumas experiências que por hora pareciam indignas e sujas, vergonhosa e com um forte odor de desgraças, desesperançosas e desesperadoras, amargas e gostosas nas sensações mais loucas e inimagináveis, nos medos mais normais e mais tensos, na briga intensa do não encontrar saída para bobagens catastróficas que se transformam facilmente, nos olhares bonitos, porém sem vida e expectativa de continuidade, na esfera dominante e ditadora em nome do contraditório, na busca desenfreada por respostas nunca vindas e ainda esperadas, no ponto final forçado e não desejado, nos perigos enforcadores e aventureiros, na luz que se ascendeu e ainda brilha no arrependimento do desprezo dado, na espera de um outro olhar.
            Passar por tudo isso me fez perceber como facilmente posso cair nas coisas que sei que posso cair, mas, sempre caio por querer cair. E não existe redundância. A nossa vida é assim. A gente conhece bem o caminho, conhece bem as sensações que o nosso interior nos apresenta, sabemos interpretar as consequências de tais atos... e nós ousamos querer cair. Mas, somente um louco desejaria cair, não? Não! Nós gostamos da queda pela massagem que ela executa no lado vítima que existe em nós. E não é bobeira pensar no vitimismo, seu grau mais ferrenho é o astuto que não se deixa anunciar ou estancar. A gente gosta da lágrima que chega de mancinho e demora a ir embora. Não é masoquismo, mas revitalização de um então que nos deixa atentos e nos faz pensar estar atuantes onde não deveríamos, mas quereríamos. 
            Essas coisas são sempre esperadas por todos nós no ordinário dos nossos dias. Nós sempre estamos á procura de aventuras novas e eletrizantes, coisas extraordinárias que nos levem a sensações encantadoras e diferentes. Cada centímetro dessas coisas grandiosas que tão longamente esperamos pode ser que nunca nos chegue. Mas nós ousamos esperar essas coisas, esses dias, esses espetáculos, esses shows, esses brilhos, esses desmoronamentos, esse extraordinário... Em nossa vida nem sempre estaremos com o sol brilhando a nosso favor e por isso, é preciso casar com a senhora rotina. Não com uma sensação frustrante, mas com uma ilusão no sentido espanhol de falar. A “ilusion” que significa novo sol e novos tempos que se aproximam, um novo esperar, uma coisa nova que surge, uma esperança que se aproxima de mansinho. Ninguém vive de aventuras. Nós vivemos mesmo é de coisas repetidas, de mesmices que não se perdem no sentido vulgar da palavra, mas vai sempre além. Afinal, Deus se apresenta, e até vive nos simples fatos corriqueiros. É por isso que nunca O encontramos.
            Reconhecer as graças e as falhas que vão fazendo parte do nosso caminhar é maravilhoso. Quanto mais paramos para observar o tecido que vamos costurando, o tecido de nossa existência, a vida vai se tornando mais ousada e menos sangrenta. A gente vai deixando o costume “safado” de querer ser vítima, a gente vai sendo mais racional na hora que se precisa e mais humano na hora em que dentro de nós surge um grande grito de condenação, não aos nossos atos, mas a nós mesmos. É certo que damos uns tombos feios nas tentativas que escolhemos, e como isso nos faz crescer.  Não me arrependo das coisas que fiz,  me arrependo das vezes que transformei pessoas em coisas, das vezes que fui arrogante jurando ser elegante, das vezes que os atos se transformaram em tempestades desnecessárias por não saber esperar a hora exata (ela sempre chega, mesmo que demore), das vezes em que não fui EU na tentativa de agradar alguém por medo de perder este alguém. Quem acabou se perdendo fui EU.
            Também tenho pena das coisas que perdi e não posso mais voltar atrás. E como pesa essa palavra. Pena é a ultima palavra a ser usada sobre alguém, é humilhante; ninguém quer ser digno de pena. A dor é enorme. Mas, dói mais ainda quando lembro que perdi pessoas fantásticas que deveriam estar ao meu lado até hoje. Tenho certeza que estariam. A vida é assim, a gente faz algumas escolhas e acaba deixando coisas importantes passarem. Seria impossível querer e ter tudo. Aqui reside o cuidado. Quando nós nos tornamos bonequinhos de marionetes nas mãos de alguns tiranos que vão aparecendo no delinear de nossa convivência por aqui, a gente vai acabando como que cego e nada mais vai enxergando. Melhor dizendo, nada mais nos deixam enxergar; e nós aceitamos essa condição.
Por isso, tomemos cuidado com a fascinação que pode estancar em nós qualquer dia desses. Não permita que alguém selecione com quem você pode ou não se relacionar, isso não é amor, é ditadura e pode ser que percamos a fantástica experiência de encontrarmos aquela pessoa que falta aos nossos dias e que certamente esperamos a vida inteira. Tenha certeza, elas existem e eu não fui capaz que escolhê-las no tempo certo. Agora não mais adianta, não mais há tempo e a distância nos faz seguir em frente. Aqueles pequenos pensamentos (no meu caso, grandes pensamentos), que sempre invadem nossas mentes e nos lançam tantas ideias boas, tantos lugares que por hora parecem ser mágicos, mas que nós sempre querermos estar acompanhados. Como é bom estar na companhia de alguém que nos ama. Isso faz parte da natureza humana. Ninguém aguenta viver sozinho, e quem assim se quer viver, torna-se um eterno frustrado e nele nunca se enxerga luz.
            Eu também fui teimoso algumas vezes, ou sempre para falar a verdade, e foi graças a isso que não perdi tudo. Corri o risco de jogar tudo fora, de mudar totalmente, de trocar tudo por aquilo que eu achava ser tudo e hoje vejo que nada ficou. E como fui ousado a ficar com aquilo que eu achei valer a pena lutar e ficar. Também fui criticado, e muito. Nós nunca podemos permitir que alguém nos diga o que escolher ou não. Acho que é por isso que alguns me chamam de arrogante, porque eu nunca permiti que me dissessem o que fazer ou não. E não é que eu não aceite a ideia do outro, mas é que eu não posso ser uma eterna gelatina em suas mãos. Eu espero também que você nunca seja esse líquido viscoso que com o passar dos dias, quando não mais nos agrada nós jogamos no lixo ou pelo ralo da pia. Quero morrer teimoso, quero morrer arrogante na concepção de alguns. O que não quero é ser escravo de ninguém. Não posso permitir que ninguém me roube de mim. 
            É por isso que se torna tão importante o crescimento pessoal, para que eu não permita que alguém me engane sobre mim. E assim a vida vai se tornando realmente uma aventura, mas uma aventura enraizada na realidade do dia a dia e na senhora rotina, porque todo ser humano necessita se sentir seguro antes de desarrumar as malas que os medos jogam por cima de seus anseios e partir para a percepção dos movimentos que os rodeiam para então construir caridade fora de si mesmo. Pois esta é a verdadeira Graça da vida, perceber-se um ser caminheiro em busca de si mesmo.       

Ednaldo Oliveira, SDB
Campos do Jordão/SP, 31 de dezembro de 2012. Retiro Anual dos Salesianos de SP.

A difícil tarefa de ser eu. Eu?





            Eu te consagro o meu coração, eu te entrego a essência do meu corpo. Ele é o lugar aonde chegam os anseios mais profundos da minha existência, é dele que jorra também as alegrias mais sinceras.  E aqui me encontro nos momentos mais escuros, quando ninguém mais está á minha volta, que vejo que não tenho mais nada.
            É aqui, neste lugar escondido, que quero me encontrar contigo e resolver tudo aquilo que anda embaraçado nos meus dias. Parece contraditório, tu que tudo vê ter que esperar a minha vinda até aqui para fazer parte então do meu ser. Mas neste envolvimento, eu sou o necessitado, eu que preciso marcar encontro contigo, eu que preciso ter minhas fundamentações em ti. Aqui neste lugar eu quero mexer em minha estrutura, que para mim parecer ser ás vezes tão segura, quero me colocar claramente em ti. É aqui.  Não que Tu não já saibas o que vou dizer, mas sou eu que preciso usar da limitação de ser um humano que necessita da palavra para expressar-se e sentir-se melhor.
Todavia, quando me encontro contigo, quando me coloco em Ti, chego até o lugar mais profundo do meu ser. Eu me encontro comigo mesmo, somos um. Tu me acompanhas, Tu me sabes. O que fazer com minhas incoerências? São mesmo incoerências? Amo-vos meu Deus. Tu conheces o meu coração, Tu vens vendo como ele anda revirado, dividido, envergonhado, acariciado, aconchegado, cedado? Os dias estão sendo bombardeados de promessas, desejos, juras, carícias, bem estar. Eu tenho medo meu velho amigo. Medo, vergonha, dúvida... Tudo isso vem sendo forte nas consciência das coisas.
Um ressurgimento de sentimentos que eu não sentia a muito tempo, não lembro de ter sentido isso antes tão intensamente. Parece, dói usar essa palavra mas preciso ser verdadeiro contigo, tão credível que tenho medo do escuro, tenho medo de ficar sozinho novamente, tenho medo de estar transferindo os conceitos para outras condições.
Eu não sei o que será de mim. Os rumos das coisas parecem tão contraditórias. Tudo parece ir contra quando não lhe somos fiéis. Mas, se o que eu sinto for mesmo amor, existe castigo para aqueles que amam se no fim de tudo somente Ele nos conduzirá a Ti, que sois o único Amor? Eu não quero me afastar de Ti, eu quero ficar aqui, pertinho de Ti, eu quero permanecer aqui em nosso lugarzinho primitivo. Me aceita como sou, com o que tenho. Tu já me conhecias quando me chamaste. Não estou jogando contigo, pelo contrário, estou te pedindo: “Segura a minha mão e vem caminhando comigo para que eu não me perca. Eu não sou o que eu queria ser. Estou tentando ser feliz e fiel. Tenho consciência que contigo vou muito mais além. Não sou nada sem Tua presença. Não existo fora de Ti.”

Ednaldo Oliveira, SDB
Recife/PE, 03 de maio de 2012.

Frio, neblina e café




            “Um simples sorriso muda tudo”. Esta foi a frase que encontrei hoje pela manha no sachê de açúcar ao lado da cafeteira. Ao me vê olhando para o pequeno saquinho, aproximou-se o P Mário Bonatti e diz simplesmente: “Verdade”. Para mim essa palavra sempre carregou consigo um peso muito forte, é como se completasse tudo e nada mais nos faltasse. A expressão sobre o sorriso veio em boa hora. A confirmação do P Bonatti também.
            Esses primeiros dias em outro território inspetorial tem estancado algumas longas lágrimas de interrogações que me sobre caíram nos últimos dias.  Eu tinha noção de que não seria fácil, mas não pensei que me sentiria tão só. Mudar nunca foi para os fracos, sempre tive essa convicção, foi por isso que tive a audácia de tentar. Sempre me disseram coisas que eu não concordava totalmente sobre mim. Tipo: “Você é muito forte”; “Você é ousado e isso te faz afastar todo o medo”; “Você não precisa lutar por espaço, você é líder por natureza e onde chegardes teu lugar estará lá, te esperando”; “Eu queria ser corajoso como você”; “Eu te invejo, você vai longe com essa sua segurança”. Enfim... Mesmo sem acreditar nessas e em outras tantas coisas que me dizem sempre as guardo comigo, afinal, nem sempre conseguimos fugir por completo do afagamento do ego.
            Aqui estou. É dezembro e, na normalidade da vida, eu deveria estar com minha família e meus amigos em minha terra natal, provavelmente me preparando para ir á praia. Pois bem, fui contra tudo o que antes era “verdade” para mim e meus dias e vim procurar por mim aqui neste outro lado do país. Vim ver se era “verdade” tudo aquilo que falavam sobre a minha pessoa, meu jeito de ser, minha personalidade. E por que tanto interesse com o que os outros pensam ou falam? Se pensam e passam a me falar é porque se importam comigo e pensam ser “ verdade” aquilo que expressam. Vale a pena dar ouvido ás coisas que as pessoas que estão constantemente ao nosso lado nos apresentam. É expressão de amor dado gratuitamente e com uma tonalidade de sinceridade impressionante que vai, cada vez mais vagarosamente, me forçando a dar uma resposta convincente. Não é que eu tenha que me adequar as coisas que me dizem por se tratar de boas palavras, mas é que tenho, urgentemente, que ir ao encontro daquilo que expresso ser, ao encontro de minha essência, do meu EU. Se estou á procura de mim mesmo, é a “Verdade” que procuro. “É a tua face, Senhor, que eu procuro...” (Salmo 27)
            O novo há de me proporcionar isso, já está me proporcionando. O novo me obriga a sair da mediocridade das coisas, me obriga a ir além daquilo que queiram me oferecer, me ditar, me dá. Neste novo mundo eu preciso correr atrás das oportunidades, fazer novos projetos, querer novos horizontes, ir além das aparecias, querer mais que antes. Alguém poderia me perguntar: “Mas você esteve parado no tempo? Por que só agora diz querer ir mais além? Precisaria tamanha mudança territorial para só então se convencer que a vida é Movimento?” “Não. Não precisaria dessa mudança”.esta seria uma resposta pontual, mas não aquilo que penso necessariamente. E o que eu penso? Então vamos lá... penso que não podemos ter medo do Movimento da vida, é Ele o motor que move e sustentas as nossas ações, por mais pequeninas que sejam. Este Movimento sempre cobrará de nós novas respostas, novos passos; mas sempre nos deixará á deriva, na cota mão da vida e, de lá, nos observará atentamente. Nunca nos deixará. Pelo contrário, sempre estará no patamar do respeito á nossa liberdade que por vezes, ousa querer permanecer em uma cúpula de vidro que pensamos estar protegidos dentro dela.
            Eu vim livremente e quis estar aqui. Sonhei com tudo isso. Não necessariamente com São Paulo/SP, mas com um novo lugar onde eu pudesse me descobrir nas entrelinhas mais específicas, mais profundas  que ainda não consegui chegar. E não é que eu estava parado este tempo inteiro e só agora quis cuidar de mim. O crescimento pessoal é meu maior desejo, sempre foi. A sinceridade e a transparência foram sempre companheiras neste caminhar bagunçado, trêmulo, sombrio às vezes, constante por necessidade, desafiador por ser realidade, fascinante porque assim se apresenta, e gostoso em seu jeito de vir.
            É realmente muito gostoso quando a gente vai entrando sempre mais em nós mesmos. As coisas vão naturalmente tomando forma e vão se encaixando fatos e alguns por acasos que antes não passavam de deslizes ou surpresas desejadas ou não. Nem sempre queremos caminhar por aqui. É um vale cheio de intenções maliciosas que vão como que nos forçando a brincar de esconde-esconde. Dentro de nós as coisas se apresentam desta forma, aos pouquinhos, vagarosamente. É certo que para tudo existe seu determinado tempo e este não pode ser violado. Porém, mais certo ainda é que você não pode fugir a vida inteira de você mesmo.  Quando nós forçamos experiências que não poderiam ser vividas naquele determinado momento as consequências são gravíssimas e sentidas por toda a vida; mas quando não se vive o que se apresenta e não se procura desvendar os próprios mistérios, os mais profundos mistérios, aqueles que cada um carrega consigo as consequências são maiores e mais drásticas por não se ter mais tempo de tentar. E não existe nada pior que se perceber velho e sem saída por já ter gastado tudo aquilo que te pertencia e não ter feito o que deveria pelo simples medo de tentar novamente.
            Vem gritando em minha mente uma das músicas que mais me faz pensar. Eis um pequeno trecho: “Aqui estamos nós, turistas de guerra...”. Entendemos por turistas aqueles que querem permanecer no local, e sempre querem chegar ao local escolhidos por uma paixão que se estende e faz da vida uma aventura surpreendente em busca de novas sensações nos lugares que mais nos sentimos bem. Mas quem é o louco que quer estar em uma guerra? Ninguém! Logo responderíamos rapidamente sem dúvida alguma. Mas a guerra de que se trata a música por mim escolhida para tal comentário é louvável justamente pela guerra que ressalta e o querer estar nela. É a guerra interior que existe dentro de cada ser humano e o querer sempre vencê-la nos delinear de cada dia. Penso que será assim meus futuros dias nestas terras desconhecidas, guerras e mais guerras, porém quereres e mais quereres.
            E assim vai criando forma o frio que me veio quando ainda estava em Recife/PE naquela saudosa noite de sábado (16/12) do corrente ano quando me despedia dos meus amados companheiros de caminhada, alguns por mais de sete anos. Como foi difícil entrar naquela sala de embarque com as lágrimas e os soluços silenciosos pelos olhares constantes dos outros passageiros que forçavam calar a boca e baixar o volume do choro. O frio se repetiu também aqui, mesmo já tendo sido recebido, e bem recebido. O frio da solidão e do medo, os frio do nada saber e do ninguém com quem contar, o frio que se tornara o único companheiro das primeiras noites sombrias fora da casa costumeira primitiva.
            A neblina entra em cena. Ela fez questão de me deixar sem ver nada, de me lembrar os dias em que cheguei pela primeira vês no seminário naquele ano de 2007. Escurece tudo, primeiramente dentro da alma, depois em todos os sentidos. Ela me faz sentar junto ao banco desconhecido e não ver nada além de minha sobrancelha que se fecha pelo tremendo frio e pelo gelo andante que não me deixam ir adiante, me deixa desconhecido e me faz participar do sentimento solitário e ainda da sensação de nada poder fazer por nada conhecer. Tudo termina em café sempre em café. O café tem sido meu companheiro constante. Desculpem-me os que não lhe são apreciadores. Ele me trás um sentimento sempre novo de esperança. É ele que vence o frio e faz com que a espera pela passagem da neblina não seja tão solitária. Ah! Queria eu que tudo terminasse mesmo em café, assim a vida seria sempre mais quente e estaríamos sempre prontos e atentos ao Movimento que, sempre disposto á nos jogar aos desafios mais audaciosos, não nos abandona na temeridade que a vida cumpre o papel de apresentar.
            Que seja então assim. Que eu não tenha medo de arriscar e aprender tudo de novo, que eu seja ousado no querer e respeitoso no saber esperar tudo em seu determinado e santo tempo. Que eu encontre vida nos escombros, que eu tenha paciência e não me falte fé nas noites escuras que seguramente se transformarão e virão cada vez mais forte. Medo não tenho, preventividade sim. Se não me faltar café, tudo andará certo, mas para isso, terá de vir o frio e a neblina. “Que venham, aqui estou...”.

Ednaldo Oliveira, SDB
Campos do Jordão/SP, 27 de dezembro de 2012. Retiro Anual dos Salesianos de SP.

Chega o dia em que até a vida precisa de uma faxina




Começar é sempre desafiador. Temos medo de tudo o que não conhecemos e de tudo o que parece vem ao nosso encontro com olhos de invasão, com olhos de crítica, com olhos de avaliação. O medo vai assim tomando conta da gente e vamos perdendo muita coisa pelo caminho. Ah! Como perdemos por medo de tentar, por medo de arriscar, por medo de ver aqueles olhos invasivos nos olhando, com medo de que alguém nos avalie.
Abrir mão de nossas seguranças, de nossas bases, de nossas amarras, de nossos confortos, de nossos certificados nos leva ao patamar da espera pelo outro. Nós não queremos depender de ninguém, queremos sempre ser aves livres que voam independentemente de alguém, independentemente de lugar ou responsabilidades. Também as aves, um dia, precisaram aprender a voar e pisaram nosso chão. Também elas precisaram de calor para desabrochar, e esse veio de um outro ser igual a ela. Ninguém vive só, até mesmo as pedras procuram os caminhos por estes serem sempre transitados pelas pessoas, ressaltava o poeta desconhecido.
É preciso coragem para seguir em frente! É preciso consciência do que já se fez e do que se pode ser feito. É preciso uma faxina de vez em quando para reorganizar a vida e jogar fora o que não nos leva a nós mesmos. Chega o dia em que nós precisamos ter coragem de partir e alçar voo sobre novas áreas da vida. Chega o dia em que não podemos mais permanecer na zona de conforto e a vida nos pede sempre mais, e não podemos dizer não á vida, ela é magnífica e não se repete. Chega o dia em que nós não conseguimos mais permanecer com o medo que aterroriza nossos atos.
Começar, ou recomeçar, traz consigo o medo de perder-se. Ninguém gosta de se perder, seja em lugares onde vamos pela primeira vez ou na própria cidade em que estamos, residimos. Queremos sempre estar antenados a todo movimento que circunda á nossa volta, até mesmo das pessoas que estão á nossa volta. O medo do desconhecido nos apavora, nos amedronta, nos desestrutura. Esse é o medo de se perder. O medo de caminhar por lugares em que não estamos acostumados tira as nossas seguranças e faz de nós seres em constante evolução, seres dinâmicos, em movimento. Seres capazes de elevação, de transcendência.
O medo não nos pode tirar a paz. O medo não nos pode tirar o sossego de seguir em frente á procura de nossa essência (porque esse é o motivo de caminharmos tanto, encontrar essência primitiva de nosso eu neste cosmo, nesta confusão sem razão ou precisão), antes, deve ser em nós explosão de sentimentos contraditórios á nossa vontade de ficar e “esperar”. O medo deve me fazer ir em frente, sair correndo, gritando sem querer ficar por não concordar ou não aceitar. Ele não pode me possuir ao ponto de ditar o que devo ou não fazer ou escolher.
Também não podemos descartá-lo. Ele é sinal de preventividade nas escolhas fundamentais de nossa vida. Sem ele, andaríamos na ilusão dos desgovernados, na espera frustrante dos que almejam sem cessar o que não podem possuir, na estrada dolorosa e escura daqueles espiões frenéticos que estão á nossa volta sempre nos criticando por não quererem se aceitar, nos escombros dos desamparados por fazerem da vida um campo de batalha com seu próprio corpo por pensarem ser isso o tal aproveitamento desta.
Em mim o medo não se tornou tirano de meus dias. Posso ter um dia estado neste espaço, neste patamar, mas hoje não mais. Hoje ele se encontra naquele lugarzinho pequeno, bem reservado para ele, do preventivo. Mas já me fez chorar algumas noites escuras, já me fez pensar muito nas decisões que estavam prestes a serem tomadas, já me fez errar por ter medo de ter medo. Eu antes me escondia, antes eu fugia, antes eu olhava pelos pequenos espaços que iam me proporcionando olhar, que iam me deixando olhar; nunca me deixavam ver a realidade. No hoje da história as coisas são diferentes, pelo menos eu quero que sejam diferentes. Quero ver novo sol se espalhar por sobre a minha vida, por sobre a minha existência.
Penso que seja assim nosso caminhar, ir tocando o que vamos recebemos por consequência daquilo que vamos escolhendo. Porque a vida é assim, nós vamos colhendo as consequências de nossas escolhas e vamos assim organizando tudo o que recebemos. Nada de ficar por ai chorando nossos azares e velando o que poderíamos ter sido se tivéssemos feito aquela escolha. Não! Avancemos pois adiante, ainda há tempo, sempre há tempo de fazer aquela limpeza nas nossas coisas velhas e jogar fora tudo o que não presta e vai tirando o espaço das coisas que realmente queríamos que ali estivessem. Assim também acontece com nossa vida. As coisas vão acontecendo conforme o que vamos pondo como prioridade. Consciência sempre ajuda nessas horas. Consciência dos passos dados e dos não dados, dos atos feitos e não feitos, das coisas que tomaram o lugar das pessoas e hoje não mais temos coragem de mudar o foco da situação.  Que ele nunca me faça pensar no declinar de meus dias nas coisas que eu deveria ter feito. Penso que esta seja a maior frustração: o que eu deveria ter feito. Não existe nada pior que perceber não ter mais tempo para aquilo que queríamos e acreditávamos ser segredo de felicidade. Que eu tenha força para não sair de meu foco, e que não me falte a fé.
Que o encontro seja sempre ponto para despedidas. É preciso estar pronto para despedidas. Despedir-se do que não me faz bem, do que não me traz bondade, do não me faz chegar mais perto de quem amo, de quem quero junto a mim. E quem sabe me despedir também daqueles que eu mais queria junto a mim. Preciso estar pronto a derramar algumas lágrimas se estiver disposto a crescer, porque crescimento concorre para mudança de estrutura, e quase ninguém quer sair da linha de conforto para o escorregão do tentar. Pois bem, que eu nunca queira permanecer no patamar da inexistência, que eu tenha sempre coragem para sair dos trilhos que me ditam e mostrar outro percurso, talvez mais longo, porém mais meu.
Que você também saiba esperar novos dias, assim me encontro perpetuamente, e quero sempre assim estar. Novos dias, novos rumos, novos voos, novos trilhos. Deve existir lugares nunca transitados, nunca vistos, nunca descobertos que estão loucos para serem explorados. Quem sabe esses lugares não estejam tão longe assim. Quem sabe esses lugares misteriosos e escuros estejam bem dento de mim. Quem sabe eu tenha medo de ir até eles, quem sabe o meu maior medo seja o medo de mim mesmo por querer sempre ser outro, ter outro. Quem sabe o desconhecido não passe de meus pés. Quem sabe o limiar da esperança me espere bem na linha do meu nariz, mas eu tenha medo de abrir os olhos.
 Porque a vida é assim, é preciso coragem para tentar rebuscar o novo, mesmo que isso nos custe vencer o medo de dizer quem somos. O novo nos tem. A vida nos tem. Mas, o medo de tentar é sempre o inimigo do meu eu, pois começar é sempre desafiador. Mas que venham novos dias, que venhas novas pessoas, que venham novos desafios, que venham novas e mais fortes avaliações, provas... estaremos prontos para partidas e recomeços, pois a vida sempre se repete e pede de nós somente a coragem para seguir seus desvios e retas.


Ednaldo Oliveira, SDB
Campinas/SP, 22 de dezembro de 2012.