segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Teologia do Cristo assentado

                Um Cristo pequeno, sentado, diminuído para ficar do nosso tamanho, igual a nós. Ele senta e fala das nossas coisas, de nós. Coisas que nem nós mesmos temos coragem de falar, de tocar; porque machucam demais o nosso interior. Mas são coisas que nós mesmos escolhemos, nós mesmos cultivamos e não queremos largar; mas, quando ele fala, dói. A vergonha vem e bate a porta que fechamos há tanto tempo, lacramos com tantas falsidades, com tantas desculpas e, depois, nem sabemos mais o porquê da fechadura.

            Quando, nas passagens do evangelho Cristo senta para conversar, é melhor sentar também, pois daí vão sair coisas jamais imaginadas. Como naquela passagem com a samaritana de Sicar que Ele “senta junto á fonte” (João 4, 6). É um momento semelhante aos tantos outros que Ele fala ás multidões e senta na maioria das vezes. Não é estranho? Como falar para muitos, sentado? Ele é capaz de ir até o tamanho de todos. Talvez naquele meio tenha havido alguém que tenha até se incomodado com aquele gesto, talvez não estivesse nem vendo mais Jesus pelo fato d´Ele ter ficado mais baixo depois de ter sentando; mas veja, aquele audacioso teve raiva de Jesus porque não estava mais O vendo. E porque não mais via Jesus? Porque não sentou. Preferiu ficar em pé, superior, não quis sujar a roupa, ou simplesmente estava apressado. Mas, de que indivíduo estamos falando? Quem terá sido este atrevido?

            Ah! Quantas vezes eu fui esse hipócrita... Quantas vezes não quis sujar a minha roupa, quantas vezes não quis estar ali sentado e escutando porque eu queria estar ensinando, eu queria estar falando no lugar d´Ele. Nós sempre temos dificuldade de sermos amados, nos queremos sempre amar. Parece contraditório, mas não é. É a pura realidade! Nossa arrogância é tamanha que nós sempre queremos estar dando e nunca recebendo, porque assim, estaremos sempre na alta, com o ibope lá em cima: “vejam, como ele é caridoso”. Isso não é caridade é ego. Na mesma passagem, Jesus pede uma caneca de água. Olhem até onde Ele foi, olhem o que Ele fez. Pedir água aqui é determinante, ele nem precisava dela porque Ele é a verdadeira, “a água que jorra para a vida eterna” (João 4, 14). Mas Ele vai até o tamanho da pessoa com quem está falando.

            Sentou e falou com ela e ela ficou encantada. Quem sabe até por interesse para “não mais precisar tirar água do poço” (João 4, 15) “já que era muito fundo” (João 4, 11). Quantas vezes nós também tratamos de negócios com o Senhor... Mas para aquela mulher, nada mais lhe tirara atenção, nada mais valia e agora ela via quem realmente valia. Quantos maridos nós também temos em nossa vida, que nos tiram a atenção, nos destroem e que nos enganam não nos deixando mais ver a verdade, que nos deixam com sede.

            Se nos valermos da geografia daquela época, vamos constatar que nem Jesus nem os discípulos precisavam parar em Sicar. Foi um ato contraditório e perigoso! Mas, o encontro com aquela mulher estava marcado sem nem mesmo ela saber de nada. Não é por acaso que a mulher agride Jesus no ato de responder a seu pedido: “Como é que tu sendo Judeu, pedes de beber a mim, que sou samaritana”? (João 4, 9). Foi um ato escandaloso em muitas dimensões. Primeiro, era uma mulher; segundo, era samaritana. Pode até nos passar despercebido ou ainda, pode até ser mais amplo para tal reflexão o fato da hora, mas, “era quase meio dia” (João 4, 6), e todos podiam ver. O que fariam com ela se a vissem conversando com um homem? E ainda judeu? O medo dela foi tremendo.

            Os primeiros a não entenderem foram os discípulos: “e ficaram admirados ao verem Jesus conversando com uma mulher” (João 4, 27). Jesus realmente não se importa. Em contrapartida, quando a mulher saiu fez a mesma coisa que os magos, voltou por outro lugar, “foi á cidade e disse para as pessoas: ‘Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz! ’” (João 4, 29). Quem sabe é isto que está faltando para nós, encontrar Jesus em algum poço qualquer. Será que Ele não já nos esperou no lugar onde deveríamos estar, na hora certa onde nós deveríamos já estar somente esperando e nós não aparecemos? Será que Ele não se arriscou novamente, sentou-se novamente á nossa espera e nós tornamos a ficar em pé?

            A caridade pastoral daquela samaritana foi fantástica! Ela correu logo para anunciar e “o pessoal foi ao encontro de Jesus” (João 4, 30). Essa mulher não tinha nenhum ego; era pequenina, humilhada e não chegou sendo ela a protagonista, pelo contrário, sabia seu lugar: “não será Ele o Messias?” (João 4, 29) a quem tanto procuramos? E para provar que ela não era o foco de nada, os próprios samaritanos completam mais tarde: “já não acreditamos por causa daquilo que você disse. Agora, nós mesmos ouvimos e sabemos que este é realmente o salvador do mundo!” (João 4, 42). O próprio Jesus ficou com eles aquele dia (João 4, 40) porque também eles quiseram ficar com Jesus ao ponto de pedir para que Ele permanecesse ali (João 4, 40). Eles também tiveram sede e foram á fonte, desta vez, (não mais como a mulher) mas verdadeira fonte.

Ousemos, pois, passar por um desses poços, que consigamos passar uma tarde sentados com Jesus, não porque Ele está cansado, mas porque nós O encontramos sentado, esperando, por causa de nós.



N Ednaldo Oliveira, SDB.

Borda do Campo/MG, 23 de janeiro de 2012. Retiro dos noviços para a primeira profissão.

           

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Leva-me de volta. Vem depressa!

As coisas que eu não me atrevia pronunciar caíram todas sobre mim, porque todas elas eram relacionadas a mim e eu não me atrevia observar-me.
As coisas que lançavam sobre mim e eu me emburrava em renunciar eram todas mesmo para mim e eu nunca as quis perto de mim. Tinha medo que escurecessem minhas honras, que nem mesmo existiam, tinha medo de que não mais acreditassem em mim, mesmo sabendo que ninguém esperava que não errasse. Sempre tive medo daquilo que sobre mim falavam ou pensavam, sempre quis conservar uma boa imagem e ser lembrado depois como um modelo a seguir. As coisas não foram como esperava que fossem. Elas foram, e são como devem ser.
Não consigo esquecer o que os outros pensam ou pensam pensar de mim. Também não consigo fazer aquilo que sempre ao deitar penso em fazer. Eu quero ver o sol! Mas ouso em querer também ser o sol; eu quero ver Deus, mas ouso em quere também ser deus; eu quero levar Deus a todos, mas ouso em querer anunciar-me a todos.
É complexo, não acha? Sinto-me perdido e desencontrado. Parece que todos os que estão a minha volta estão ordenados como Eles os destinou, e eu... Eu estou aqui tentando O encontrar, enquanto Ele esconde-se constantemente. Parece não querer permanecer comigo e isto me faz frustrante.
Penso em tudo e em todos, menos em mim. Entendo tudo e todos, mesmos a mim mesmo. Espero tudo e todos, mas ninguém espera por mim. Não sei quem sou, e por mais que tente me conhecer, eu acabo me escondendo de mim. Pareço estar rindo de mim. Se algum dia já me conheci, me perdi novamente e não sei mais o caminho de volta até mim. Falo agora ao meu eu que agora me escuta:

“Leva-me de volta, pois não consigo mais relacionar-me comigo mesmo nem com os outros. Encontro-me sem rum, sem chão e ninguém mais suporta estar perto de mim. Portanto, eu te suplico, diz ao meu eu que tenho saudades dele e estou sozinho e solitário, pois as coisas são confusas e solitárias, escuras e sem horizontes, amargas e sem ninguém. Vem depressa! Se não, encontrar-me-ás em um sombrio final de tarde, num pequeno banco sentado esperando sem nada, solitário e chorando como criança, pois ninguém quis ficar ao meu lado...”


A noite chega e tenho medo da escuridão, não sei caminhar sozinho, pois meus gritos e meu bico espantaram tudo de perto de mim, o desespero agora é meu familiar, pois as coisas não são mais as mesmas. É como se eu houvesse me perdido há muito tempo e não sentisse antes que estava longe de casa, longe dos meus, longe do meu eu. Vivo a espera de encontrar-me novamente comigo; não importa o lugar, importa somente que meu eu queira encontrar-me novamente.
A busca é desenfreada, e eu tenho medo de não me encontrar. Tenho medo, tenho medo, tenho medo...


N. Ednaldo Oliveira, SDB.
Barbacena/MG, 02 de janeiro de 2012.