sábado, 5 de janeiro de 2013

Frio, neblina e café




            “Um simples sorriso muda tudo”. Esta foi a frase que encontrei hoje pela manha no sachê de açúcar ao lado da cafeteira. Ao me vê olhando para o pequeno saquinho, aproximou-se o P Mário Bonatti e diz simplesmente: “Verdade”. Para mim essa palavra sempre carregou consigo um peso muito forte, é como se completasse tudo e nada mais nos faltasse. A expressão sobre o sorriso veio em boa hora. A confirmação do P Bonatti também.
            Esses primeiros dias em outro território inspetorial tem estancado algumas longas lágrimas de interrogações que me sobre caíram nos últimos dias.  Eu tinha noção de que não seria fácil, mas não pensei que me sentiria tão só. Mudar nunca foi para os fracos, sempre tive essa convicção, foi por isso que tive a audácia de tentar. Sempre me disseram coisas que eu não concordava totalmente sobre mim. Tipo: “Você é muito forte”; “Você é ousado e isso te faz afastar todo o medo”; “Você não precisa lutar por espaço, você é líder por natureza e onde chegardes teu lugar estará lá, te esperando”; “Eu queria ser corajoso como você”; “Eu te invejo, você vai longe com essa sua segurança”. Enfim... Mesmo sem acreditar nessas e em outras tantas coisas que me dizem sempre as guardo comigo, afinal, nem sempre conseguimos fugir por completo do afagamento do ego.
            Aqui estou. É dezembro e, na normalidade da vida, eu deveria estar com minha família e meus amigos em minha terra natal, provavelmente me preparando para ir á praia. Pois bem, fui contra tudo o que antes era “verdade” para mim e meus dias e vim procurar por mim aqui neste outro lado do país. Vim ver se era “verdade” tudo aquilo que falavam sobre a minha pessoa, meu jeito de ser, minha personalidade. E por que tanto interesse com o que os outros pensam ou falam? Se pensam e passam a me falar é porque se importam comigo e pensam ser “ verdade” aquilo que expressam. Vale a pena dar ouvido ás coisas que as pessoas que estão constantemente ao nosso lado nos apresentam. É expressão de amor dado gratuitamente e com uma tonalidade de sinceridade impressionante que vai, cada vez mais vagarosamente, me forçando a dar uma resposta convincente. Não é que eu tenha que me adequar as coisas que me dizem por se tratar de boas palavras, mas é que tenho, urgentemente, que ir ao encontro daquilo que expresso ser, ao encontro de minha essência, do meu EU. Se estou á procura de mim mesmo, é a “Verdade” que procuro. “É a tua face, Senhor, que eu procuro...” (Salmo 27)
            O novo há de me proporcionar isso, já está me proporcionando. O novo me obriga a sair da mediocridade das coisas, me obriga a ir além daquilo que queiram me oferecer, me ditar, me dá. Neste novo mundo eu preciso correr atrás das oportunidades, fazer novos projetos, querer novos horizontes, ir além das aparecias, querer mais que antes. Alguém poderia me perguntar: “Mas você esteve parado no tempo? Por que só agora diz querer ir mais além? Precisaria tamanha mudança territorial para só então se convencer que a vida é Movimento?” “Não. Não precisaria dessa mudança”.esta seria uma resposta pontual, mas não aquilo que penso necessariamente. E o que eu penso? Então vamos lá... penso que não podemos ter medo do Movimento da vida, é Ele o motor que move e sustentas as nossas ações, por mais pequeninas que sejam. Este Movimento sempre cobrará de nós novas respostas, novos passos; mas sempre nos deixará á deriva, na cota mão da vida e, de lá, nos observará atentamente. Nunca nos deixará. Pelo contrário, sempre estará no patamar do respeito á nossa liberdade que por vezes, ousa querer permanecer em uma cúpula de vidro que pensamos estar protegidos dentro dela.
            Eu vim livremente e quis estar aqui. Sonhei com tudo isso. Não necessariamente com São Paulo/SP, mas com um novo lugar onde eu pudesse me descobrir nas entrelinhas mais específicas, mais profundas  que ainda não consegui chegar. E não é que eu estava parado este tempo inteiro e só agora quis cuidar de mim. O crescimento pessoal é meu maior desejo, sempre foi. A sinceridade e a transparência foram sempre companheiras neste caminhar bagunçado, trêmulo, sombrio às vezes, constante por necessidade, desafiador por ser realidade, fascinante porque assim se apresenta, e gostoso em seu jeito de vir.
            É realmente muito gostoso quando a gente vai entrando sempre mais em nós mesmos. As coisas vão naturalmente tomando forma e vão se encaixando fatos e alguns por acasos que antes não passavam de deslizes ou surpresas desejadas ou não. Nem sempre queremos caminhar por aqui. É um vale cheio de intenções maliciosas que vão como que nos forçando a brincar de esconde-esconde. Dentro de nós as coisas se apresentam desta forma, aos pouquinhos, vagarosamente. É certo que para tudo existe seu determinado tempo e este não pode ser violado. Porém, mais certo ainda é que você não pode fugir a vida inteira de você mesmo.  Quando nós forçamos experiências que não poderiam ser vividas naquele determinado momento as consequências são gravíssimas e sentidas por toda a vida; mas quando não se vive o que se apresenta e não se procura desvendar os próprios mistérios, os mais profundos mistérios, aqueles que cada um carrega consigo as consequências são maiores e mais drásticas por não se ter mais tempo de tentar. E não existe nada pior que se perceber velho e sem saída por já ter gastado tudo aquilo que te pertencia e não ter feito o que deveria pelo simples medo de tentar novamente.
            Vem gritando em minha mente uma das músicas que mais me faz pensar. Eis um pequeno trecho: “Aqui estamos nós, turistas de guerra...”. Entendemos por turistas aqueles que querem permanecer no local, e sempre querem chegar ao local escolhidos por uma paixão que se estende e faz da vida uma aventura surpreendente em busca de novas sensações nos lugares que mais nos sentimos bem. Mas quem é o louco que quer estar em uma guerra? Ninguém! Logo responderíamos rapidamente sem dúvida alguma. Mas a guerra de que se trata a música por mim escolhida para tal comentário é louvável justamente pela guerra que ressalta e o querer estar nela. É a guerra interior que existe dentro de cada ser humano e o querer sempre vencê-la nos delinear de cada dia. Penso que será assim meus futuros dias nestas terras desconhecidas, guerras e mais guerras, porém quereres e mais quereres.
            E assim vai criando forma o frio que me veio quando ainda estava em Recife/PE naquela saudosa noite de sábado (16/12) do corrente ano quando me despedia dos meus amados companheiros de caminhada, alguns por mais de sete anos. Como foi difícil entrar naquela sala de embarque com as lágrimas e os soluços silenciosos pelos olhares constantes dos outros passageiros que forçavam calar a boca e baixar o volume do choro. O frio se repetiu também aqui, mesmo já tendo sido recebido, e bem recebido. O frio da solidão e do medo, os frio do nada saber e do ninguém com quem contar, o frio que se tornara o único companheiro das primeiras noites sombrias fora da casa costumeira primitiva.
            A neblina entra em cena. Ela fez questão de me deixar sem ver nada, de me lembrar os dias em que cheguei pela primeira vês no seminário naquele ano de 2007. Escurece tudo, primeiramente dentro da alma, depois em todos os sentidos. Ela me faz sentar junto ao banco desconhecido e não ver nada além de minha sobrancelha que se fecha pelo tremendo frio e pelo gelo andante que não me deixam ir adiante, me deixa desconhecido e me faz participar do sentimento solitário e ainda da sensação de nada poder fazer por nada conhecer. Tudo termina em café sempre em café. O café tem sido meu companheiro constante. Desculpem-me os que não lhe são apreciadores. Ele me trás um sentimento sempre novo de esperança. É ele que vence o frio e faz com que a espera pela passagem da neblina não seja tão solitária. Ah! Queria eu que tudo terminasse mesmo em café, assim a vida seria sempre mais quente e estaríamos sempre prontos e atentos ao Movimento que, sempre disposto á nos jogar aos desafios mais audaciosos, não nos abandona na temeridade que a vida cumpre o papel de apresentar.
            Que seja então assim. Que eu não tenha medo de arriscar e aprender tudo de novo, que eu seja ousado no querer e respeitoso no saber esperar tudo em seu determinado e santo tempo. Que eu encontre vida nos escombros, que eu tenha paciência e não me falte fé nas noites escuras que seguramente se transformarão e virão cada vez mais forte. Medo não tenho, preventividade sim. Se não me faltar café, tudo andará certo, mas para isso, terá de vir o frio e a neblina. “Que venham, aqui estou...”.

Ednaldo Oliveira, SDB
Campos do Jordão/SP, 27 de dezembro de 2012. Retiro Anual dos Salesianos de SP.

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