Quando todas as portas haviam se
fechado para o plano de Deus, quando tudo parecia não ir de encontro aquilo que
Ele havia previsto aos seus, quando todas as coisas concorriam para que Ele não
mais nos colocasse em seus planos, Deus nos surpreende. E onde então Deus
fracassou durante toda a história? Se levarmos em consideração, no antigo
testamento a história dos reis escolhidos por Ele para Israel, constataremos
que aqueles que foram escolhidos, em nada foram fiéis ao que lhes foi confiado.
Sendo Deus Onipotente sabia que eles não seriam fiéis, não seriam capazes. Ao
todo foram vinte e quatro reis, somente dois (Davi e Salomão) foram dignos do
título da fidelidade a Deus. Desses dois, em um somente é possível enxergar tal
fidelidade, o outro nem tanto. Esses que foram fieis a Deus (1 Reis 2, 3) e
governaram com sabedoria e justiça servindo ao povo (1Reis 12, 7) que pertencia unicamente a Deus (1Reis
3, 8-9).
É neste mesmo livro dos
Reis que dar-se continuidade a história da sucessão, interrompida em 2 Sm 20,
22 com a velhice de Davi. Mesmo sabendo da infidelidade presente em cada um
deles, Deus mesmo se faz fidelidade, Deus mesmo é fiel e os confia a condução
do seu povo. Este é o fracasso de Deus, um Deus que por hora seria O
Onipotente, se curva diante das infidelidades dos seus e quer continuar com
eles. O fracasso de Deus é o fracasso de amor pelos seus. Ele é extremamente
apaixonado pelos seus. É o fracasso de qualquer ideia de poder, é o fracasso de
qualquer princípio de tirania ou ditadura que por hora pudesse surgir, tudo é
substituído pelo Amor. Deus quer ser pequeno, Deus quer precisar dos homens.
Ao longo da história da
salvação Deus quis sempre precisar dos homens em seu projeto. As mulheres
entram em cena logo no primeiro livro. Eva se torna símbolo do pecado, da desobediência
e da ambição. Depois dela, Sara. Uma mulher de personalidade vigorosa, longe de
ser um mero objeto, sem capacidade de raciocínio ou vontade própria. Pelo contrário,
podemos deduzir pelos relatos, que foi uma mulher hábil e decidida. Débora já
ocupa um lugar de destaque nas Escrituras. Foi uma profetisa, casada e juíza em
Israel (Jz 4, 4-10).
Chegamos á Virgem Maria,
a crente! Logo que Maria aparece nas Escrituras já nos causa uma inquietude
muito grande. E se aquela virgem não aceitasse o pedido? E se ela se deixasse
vencer pelo medo de ser apedrejada? E se dissesse não ao anjo? A jovem de
Nazaré é diferente das outras personalidades que aparecem nas Escrituras, ela
traz consigo um dado novo, um dado que muda toda a história, a fidelidade (Jo
1, 26-28). Desta fidelidade não se tem dúvida. Não se tem dúvida dos riscos que
corria aquela menina ao engravidar na região da Judeia, não se tem dúvida de
sua entrega e de seu desprendimento.
Diferentemente das outras
mulheres, Maria permanece fiel, mesmo desconhecendo, mesmo não entendendo, mesmo
não enxergando por hora o que seria de sua vida, de seus projetos, de seu
casamento prometido. A mãe Deus passa pela solidão do medo, mas não da
incerteza. Desde o início ela sabia para onde estava indo, pois sabia Quem a
estava conduzindo. O silêncio que tão facilmente percebemos nela pode ser traduzido
neste medo, nesta angústia do que poderia acontecer com ela. Mas, segue
silenciosa, como que com os olhos vendados. É o auge da fidelidade! É o topo da
entrega, é o ponto mais alto de toda a história da salvação, é a criatura que
mais se abandonou nas mãos do Altíssimo. É Deus sendo gerando em ventre humano.
É a encarnação acontecendo.
Atravessando todas as
possíveis profecias de dor e sofrimento (Lc 2, 36), a Virgem aparece ao lado da
cruz de pé (Jo 19, 25). Não de qualquer forma, não desesperada, não aos gritos
ou lamentando. Talvez por dentro estivesse fazendo tudo aquilo, estaria
passando por todas aquelas perguntas e desmoronando interiormente. Aqui é
interessante observar a luta interior desta mulher. Uma vida inteira de
questionamentos, perguntas, mas de certezas Naquele que a havia escolhido, de
alegria pela escolha de Deus em sua história (Lc 1, 46).
Como
nos falta este silêncio! Como nos falta esta confiança inabalável naquilo que
Deus tem para nós, naquilo que poderia tornar-se uma grande obra, assim como na
vida dessa Virgem. O desespero chega logo e bate a nossa porta, nos visita e
toma o lugar de Deus, nós nos entregamos facilmente ao medo e não conseguimos
chegar até Deus. Em Maria se vê a realização dos desejos de Deus, dela vem
Jesus, o Cristo esperado de todos os tempos. Soube ela “desaparecer” em sua
contemplação e dar lugar ao menino que crescia e se desenvolvia (Lc 2, 52).
Fora ela a primeira a adorar o menino Deus, ensinar-lhes os primeiros passos e
conduzir seus primeiros destinos, Aquele que era já ali naquele engatinhar, e é
o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6).
Que
Maria não nos seja distante. Que ela seja sempre aquela que caminha conosco.
Oxalá eu pudesse um dia encontra-me com esta mãe... lhe segredaria tanta coisa,
lhe perguntaria tanta coisa, sentado ao seu colo, lhe confidenciaria os grandes
medos de minha vida e diria ali pertinho o quanto lhe admiro tanto por sua
coragem, convicção e fidelidade. Que nos venha o silêncio de Maria, que nos
venha sua capacidade de calar-se e confiar, que nos venha sua determinação no
abandono, que nos venha sua capacidade de, mesmo diante do medo e da
insegurança, chegue até nós a certeza de que é Deus mesmo que nos quer junto, é
Deus mesmo quem nos coloca no patamar de escolhidos, mesmo sem que nós
mereçamos. Deus não trabalha com merecimentos, Deus trabalha com dignidade
humana, presente em todos os que Ele criou.
“Nos momentos mais difíceis, quando
nada mais nos parece ser favorável, quando até mesmo o Pai parece nos estar
castigando/educando, recorramos á Maria, peçamos-lhe o colo: ‘mãezinha,
ponha-me ai do lado deste menino que tão carinhosamente balanças’...”.
A
Virgem que acreditou desde o anúncio do anjo, mudando a história da participação
humana no projeto divino, segue o caminho da fidelidade. Agora no auxilio aos
filhos, na condução ao Pai.
Ednaldo Oliveira, SDB
Lorena/SP, 24 de maio de 2013.
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