terça-feira, 30 de setembro de 2014

SEM MEDO DE SER



Eu te espero... Espero como quem já te viu e já te conhece. Espero-te, na calada da noite escuto os ruídos e penso que vens. No fim, é mais uma noite normal sem nada além que o escuro de sempre. A ninguém falo que te espero, tenho medo de ser roubado. Eu te peço, vens e não me engane. Vem! A quem espero? Espero o próprio que espera. Se ele chegar... as coisas serão bem mais cheias de sentido, bem menos inconclusivas. Espero um encontro desejado por anos, por séculos, desde o inicio de tudo, antes do inicio de tudo, interior ao todo. Eu espero, sem medo de ser.

É bem verdade que os caminhos se dispersam enquanto esperamos. É a lógica da vida. Por vezes encontramos pelo caminho diversas histórias de pessoas que esperaram incansavelmente por aquilo que queriam. Lembro-me da história de uma senhora que esperou a vida inteira pelo noivo que a deixou e viajou dizendo voltar dias depois. Nunca mais voltou. Ali estava a senhora, bondosa madame esperando... sagrada, separada para aquilo que esperava. Fora engana aquela mulher? Estaria ela frustrada pela espera infinita naquilo que nunca veio e que parecia não vir? Toda espera é escolha. Quando escolho esperar, escolho sofrer e articular aquilo que meu coração preparará para o período de espera.

Nos olhos daquela mulher, maquiados com a esperança que nunca morrera, vi um esforço infinito de demonstrar o quanto confiava na palavra do noivo que a deixara há tanto tempo atrás. Não sabia se sofrera ou se tinha motivos para alegrar-se. Sabia apenas que esperava. E só. Sempre no fim da tarde, escorregava o corpo cansado, enrugado, tingido com as marcas do tempo... Chegava até a calçada da casa solitária, fria, embevecida. Ali, naquele recanto ela olhava o mundo, sentada no alpendre de cimento construído ainda na presença do noivo para o casal se despedir do dia. O mesmo ritual repetido todas as tardes durante anos. Não se cansara, não reprimia, não negava, não lamuriava; apenas esperava. O sol estava indo um dia mais, o outro viria logo mais tarde e nada de notícias, nada de novidade, nada do rapaz. O mundo estava ficando amarelo novamente pelos raios do sol que se misturava as mechas da lua que preparara seu espetáculo. Tudo ao normal se repetia. O ciclo sagrado cumprindo seu papel. Que vida! É o mais belo relato de constância.

A mulher da janela é prefiguração de tantas vezes que esperei na janela da vida. Nos entardeceres que a vida me apresentou, esperei e não sei se era esperado. Que coisa! A relação de espera com o esperado é o elemento que acalenta as consequências que a espera tem. As rugas da vida são aceitáveis nesse sentido, se tornam até orgulho quando se percebe que o esperado também esperava. A senhora sentada na calçada, vendo o sol se despedindo, é a mesma mulher que vê no entardecer um constante renascimento. As cores são as mesmas. Entardecer e amanhecer são elementos de uma mesma viagem. A escolha é sempre um ato constitutivo da personalidade humana. É uma nova criação que é iniciada em cada escolha que faço e assumo as responsabilidades que esta me acarreta. É o infinito do finito. A escolha da mulher foi permanecer. Estática. Confiante. Motivo de zombaria de todos os que conheciam sua história e sua louca escolha.

Eu espero pelo que conheço. Espero para conhecer ainda mais, espero para ser ainda mais. Espero para me misturar, me confundir com aquilo que espero. Espero porque amo. Amo porque espero. Não tenho medo de esperar-te, não tenho medo de passar pelo crível do medo de não ser encontrado. O medo de uma vida sem sentido me circunda a todo tempo, constantemente, não me deixa, é presença constante. É o meu desafio. O estomago chega a doer no exercício da espera. Ao mesmo tempo, é esta minha lei: esperar. O que espero? Espero por quem me espera. Na mesma intensidade me espera, me anseia, me quer. A quem espero? Espero ser.

Sem medo espero. A razão é minha companheira, não faz parte de mim o uso dos alucinógenos. Corto qualquer possibilidade de não esperar, de desistência, de perca de sentido. A vida segue o processo desenfreado da desintegração daquilo que espero. Vou na contramão da direção. Por vezes sozinho, outras vezes comigo. Quero ser, anseio ser. Espero por mim mesmo. Espero ser eu mesmo, com todas as consequências que isso implica, integra. Tenho consciência daquilo que espero. Tenho o cheiro daquilo que espero. E a saudade? Ah! Esta me crucifica a todo o momento, me lembra daquilo que está potencializado em mim, daquilo que posso ser. Daquilo que tenho em mim sepultado e não mostrado.

A mulher da janela tem prefigurado aquilo que espera. Espera seu amante que foi e não voltou mais. Espera o sentido de tudo aquilo que ela esperou ser durante toda vida. Eu não posso sentar à beira da estrada e ali fincar minha vida inteira e depois chegar ao fim de minha existência com um simples renovar de entardeceres de amanheceres; por mais fundamentais que isso seja. A história da senhora da janela é carregada de emoções, fidelidade, constância. Que bonito! Porém, eu não sou uma senhora cheia de rugas. Embora as rugas já comecem a marcar presença, que quero fugir em busca daquilo que espero. Não quero permanecer sentado. Quero esperar procurando, querendo, buscando, indo ao encontro. Quero ir ao encontro daquilo que corre desesperadamente ao meu encontro.

Quero encontrar quem espero, quero ir... correndo... não tenho muito tempo... nem tenho medo de ser. Eu espero por mim mesmo. É isso que fundamenta a minha espera e minha existência inteira. Oh! Não demores muito, tu que és tão desejado, pequeno espaço de mim. Preciso encontrar-te! Vou na contramão, vou procurar quem me procura, vou esperar quem me espera. Sem medo de ser... sem medo de ser... sem medo de ser. 

Ednaldo Oliveira

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